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sábado, 18 de setembro de 2010

Califórnia da Canção Nativa

A Califórnia da Canção Nativa é um evento artístico musical que ocorre no Rio Grande do Sul desde 1971, idealizado pelo poeta e compositor Colmar Duarte, considerada patrimônio cultural do Estado, sendo modelo de divulgação da música regional gaúcha.

A denominação Califórnia vem do grego e significa conjunto de coisas belas. No Rio Grande do Sul, chamaram-se "Califórnias" as incursões guerreiras, lideradas por Chico Pedro, em 1850, na região cisplatina, atual Uruguai. com objetivo de resgatar os bens de brasileiros lá radicados que sofriam perseguições. Mais tarde, o termo foi apropriado para corridas de cavalos, da qual participassem mais de dois mil animais. Nesse sentido o vocábulo caiu em desuso. O termo acabou prevalecendo com a significação de "conjunto de coisas belas" e "competições entre vários concorrentes em busca de grandes prêmios" . Foi esta última acepção que inspirou o surgimento da Califórnia da Canção Nativa. Movimento riograndense de revalorização das referências e das tradições locais.

O evento surgiu na cidade de Uruguaiana, situada no extremo leste do Rio Grande do Sul, em 1971, período da ditadura militar em que, na contrapartida da ação da censura, ocorreu grande movimentação cultural com a realização de festivais de música popular brasileira nas mais diversas cidades do país. Naquele periodo, a música tradicional do Rio Grande do Sul estava relegada a horários inóspitos nas emissoras de rádio do estado.

Segundo Paulo de Freitas Mendonça, pajador e jornalista, apesar de programas de rádio como o "Grande Rodeio Coringa, além de alguns outros em emissoras AM, que veiculavam aspectos da cultura tradicional gaúcha como a trova, o espaço ocupado pela música gaúcha no mercado discográfico era estreito, sendo apenas considerável o fenômeno Teixeirinha, recordista em vendas de discos. Ficando tantos outros cantores, compositores einstrumentistas esquecidos.

A Califórnia da Canção foi criada por um grupo ligado ao CTG Sinuelo do Pago, em Uruguaiana, que resolveu montar um festival de música regionalista.

Na primeira edição, pouco mais de 50 pessoas, presentes na primeira noite, se dispuseram a acompanhar a apresentação das músicas do festival. Porém, já nessa edição, a Califórnia reuniu, na noite final, mais de 800 pessoas, passando a atrair, entre a décima e a vigésima edição, mais de 60 mil pessoas.

O movimento reacendeu o orgulho nativista riograndense. Os jovens adotaram elementos da tradição gaúcha como o uso das bombachas, das mateiras e passaram a formar rodas de mate nas praças.

Por sua importância e pionerismo, a Califórnia é considerada o embrião de vários outros festivais semelhantes que passaram a acontecer em todo o Rio Grande do Sul, nas décadas subsequentes. Entre os mais destacados, estão a Coxilha Nativista (Cruz Alta), Ciranda Musical (Taquara), Tertúlia (Santa Maria), Musicanto (Santa Rosa), Carijó da Canção Gaúcha (Palmeira das Missões), Reponte da Canção Crioula (São Lourenço do Sul), Moenda da Canção (Santo Antônio da Patrulha). .O movimento já atravessa três décadas de atuação e centenas de títulos de festivais. São mais de 50 por ano, até 2004.

Os concorrentes do Festival Califórnia disputam a "Calhandra de Ouro", prêmio máximo, que tem como símbolo a Calhandra, ave dos pampas, de canto múltiplo, que emudece no cativeiro, só cantando na liberdade do seu habitat.

Também sob a influência da Califórnia da Canção Nativa, surgiram, no estado, novos programas de rádio e televisão, como a Rádio Liberdade FM, criada na década de 1980, primeira emissora de rádio dedicada à cultura gaúcha. Antes disso poucas emissoras davam cobertura jornalística aos festivais de música e aos eventos da tradição. Atualmente, são seis emissoras no Estado, cinco FMs e uma AM. Os festivais, atualmente, somam mais de mil nomes cadastrados, entre compositores, músicos e intérpretes do gênero nativista musical só no Rio Grande do Sul.

Tendo seu primeiro disco gravado em São Paulo, o movimento impulsionou o mercado de trabalho no Estado, que, hoje, conta com diversas gravadoras e uma grande quantidade de estúdios de gravações.

O nativismo incentivado pelo movimento Califórnia da Canção Nativa incetiva o surgimento, no Rio Grande do Sul, de novos talentos que, em breve, tornam-se profissionais e passam a atuar como contratados dos próprios festivais para espetáculos especiais. Alguns deles já se orgulham da conquista do Disco de Ouro pela vendagem de 100 mil cópias de seus CDs.

Assim como o tradicionalismo naquele estado tem no seu ENART (Encontro de Artes e Tradição Gaúcha) o seu principal encontro artístico anual, para o nativismo foi criada lei estadual que estabeleceu o Troféu Vitória, em 1995. Esse prêmio, espécie de Oscar da canção, aconteceu por três anos no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, a partir de março de 1996. Este encontro, promovido pela Associação dos Compositores, Intérpretes e Músicos Nativistas (ACIMN) tem o apoio do governo estadual, que destina 100 mil reais para as premiações aos três melhores festivais e os artistas mais premiados do ano. Apesar de o Troféu Vitória ter dado uma nova vida aos festivais, ele não acontece mais, embora a lei que o criou não tenha sido revogada.

A ACOFEM (Associação das Comissões Organizadoras dos Festivais de Música do Rio Grande do Sul) atua em plena sintonia com a SEDAC (Secretaria de Estado da Cultura) e CEC (Conselho Estadual de Cultura). Este equilíbrio entre as entidades é articulado em virtude do movimento nativista depender de apoio da Lei de Incentivo à Cultura para a realização dos festivais.

O Festival da Canção Nativa de Uruguaiana, segundo Edson Otto, um de seus fundadores, que recolhe material para um livro sobre a Califórnia, "os participantes debatem assuntos da cultura do Rio Grande, inclusive em programações paralelas". Já Henrrique Dias de Freitas Lima, coordenador das três primeiras edições do festival, lembra que nas primeiras edições essas programações se materializavam nas tertúlias, reuniões informais dos participantes do festival em suas barracas, na chamada cidade de lona, que abrigava os músicos.

A Califórnia e seus similares constituem o aspecto musical do movimento regionalista gaúcho, que ganhou força a partir da segunda metade do século XX, buscando articular o culto e a preservação das tradições do povo gaúcho com o progresso. O movimento se organiza no estado através das regiões tradicionalistas e tem entidades como os centros de tradições gaúchas (CTG), presentes em 20 estados brasileiros e no exterior.

O movimento tem carta de princípios, na qual se expressam valores como o bem coletivo, preservação da história e do patrimônio social, como o dialeto gaúcho, a vestimenta típica e a culinária além de ideais como a fraternidade, tolerância e a união dos povos americanos.

A força do movimento pode ser vista na existência de centros de tradições até nos Estados Unidos, Portugal e Paraguai. No Brasil, a imigração gaúcha em busca de novas fronteiras agrícolas levou os centros para todas as regiões.

É quase imposível precisar o número de artistas que já participaram do Festival Califórnia da Canção Nativa. São artistas que se tornam ícones da canção gaúcha, passando por compositores, cantores e instrumentistas, neste caso, instrumentos como o violão e a gaita (espécie de sanfona) em suas diversas apresentações, como a gaita ponto, a gaita de fole e a gaita de botão, entre outoras.

A premiação considera as variadas expressões da musicalidade riograndense, pasando pela melhor canção pampeira, melhor conjunto vocal, melhor instrumentista, melhor conjunto instrumental, melhor letra, melhor arranjo, melhor intérprete, melhor canção inédita, (podem concorrer canções apresentadas no festival imediatamente anterior, que não tenha sido premiada), música mais popular, havendo também premiação para obras de linha livre e e obras de linha de manifestação riograndense.

Há também premiação para o que se considerar a grande campeã, sobre todas as outras.

Entre os artistas veteranos, da Califórnia da Canção, por participação e premiação, estão Henrique Dias de Freitas Lima, Telmo de Lima Freitas, Luiz Marenco, Elton Saldanha, Mário Barbará Dornelas, Miguel Bicca, Os Serranos, Antônio Augusto Ferreira, Luiz Carlos Borges, Jaime Vaz Brasil, Joca Martins e Ewerton Ferreira. Dentre as canções vitoriosas destacam-se, entre outras tantas, "Negro da gaita", de Gilberto Carvalho e Airton Pimentel com César Passarinho; "Esquilador", de Telmo de Lima Freitas com o autor; "Semeadora", de Fogaça e Vitor Ramil e "Tropa de osso", de Luis Carlos Borges e Aparício Silva Rillo.

Composições vencedoras

1971 - Reflexão (Colmar Duarte e Júlio da Silva Filho)
1972 - Pedro Guará (Cláudio Boeira Garcia e José Cláudio Machado)
1973 - Canto de Morte de Gaudêncio Sete Luas (Luiz Coronel e Marco Vasconcelos)
1974 - Canção dos Arrozais (José Hilário Retamozzo)
1975 - Roda Canto (Apparício Silva Rillo e Mário Barbará Dornelles)
1976 - Um Canto para o Dia (Ernani Amaro Oliveira)
1977 - Negro da Gaita (Gilberto Carvalho e Airton Pimentel)
1978 - Pássaro Perdido (Gilberto Carvalho e Marco Aurélio Vasconcelos)
1979 - Esquilador (Telmo de Lima Freitas)
1980 - Veterano (Antonio Augusto Ferreira e Everton dos Anjos Ferreira)
1981 - Desgarrados (Sérgio Napp e Mário Barbará)
1982 - Tertúlia (Leonardo)
1983 - Guri (João Batista Machado e Júlio Machado da Silva Neto)
1984 - O Grito dos Livres (José Fernando Gonzales)
1985 - Astro Aragano (Jerônimo Jardim)
1986 - Tropeiro do Futuro (Armando Vasquez e Adão Quintana Vieira)
1987 - Pampa Pietá (Dilan Camargo e Newton Bastos)
1988 - Toada de Mango (Mauro Ferreira e Elton Saldanha)
1989 - Mandala das Esporas (Vaine Darde e Elton Saldanha)
1990 - Mostra das Composições Antológicas dos Vinte Anos
1991 - Florêncio Guerra e seu Cavalo (Mauro Ferreiro e Luiz Carlos Borges)
1992 - O Minuano e o Poeta (Louro Simões e Clóvis de Souza)
1993 - Domador dos Sesmarias (Elmo de Freitas)
1994 - Milonga-me (Vinícius Brum)
1995 - Querências (Silvio Aymone Genro e Getúlio Rodrigues)
1996 - Canto e Reflexão para a Província (Sérgio Rojas)
1997 - O Forasteiro (Vinicius Brum, Mauro Ferreiro e Luiz Carlos Borges)
1998 - O Nada (Rodrigo Bauer e Chico Saratt)
1999 - Poema Não Escrito (Tadeu Marfins e Lenin Nuñes)
2001 - Rastros de Ausência (Adão Quevedo e Mauro Marques)

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